Em meio a megalomania de tantas produções advindas de Hollywood ou de outras partes do globo com orçamentos estratosféricos e que carecem de consistência, deparar com projetos despretensiosos, mas repletos de qualidades artísticas e técnicas — como o musical britânico Sunshine on Leith , de Dexter Fletcher, é de fato um refrigério.
Baseado no musical de sucesso dos palcos londrinos, no qual as canções da banda de pop folk The Proclaimers servem como base, o filme acompanha os passos dos amigos Davy (George Mackay) e Ally (Kevin Guthrie) em Edimburgo, após regressarem do Afeganistão, onde serviram como soldados. A readaptação ao antigo lar, os relacionamentos com seus pais, irmãos e pares – bem como a brusca mudança ambiental, são os grandes desafios na vida dos dois.
Ao contrário do que imaginava, a carga dramática aqui desvia-se de momentos gratuitos de catarse emocional e se rende à descontração e a leveza, o que faz do longa uma inesperada surpresa. Alternando as filmagens entre estúdio e as ruas, pubs e praças da capital escocesa, Fletcher investiu na espontaneidade do momento. Até mesmo a falta de traquejo interpretativo dos jovens protagonistas, traídos em alguns instantes pela timidez, conferiu naturalidade ao material. Em suma, o roteiro de autoria de Stephen Greenhorn é pulsante, e aposta em dilemas comuns do cotidiano: decepções amorosas, inquietudes profissionais, laços familiares postos à prova… A propósito, o casamento entre o enredo e os momentos musicais, o que poderia levar tudo a perder, é tratado com cuidado, e a inserção dos números é fluída, surgindo coerentemente na narrativa. Destaque para a apresentação de 500 miles, maior sucesso dos The Proclaimers e brilhantemente executada na tela, mesmo afetada pela pouca ousadia do cineasta a não explorar os detalhes dos movimentos, mesmo mal cometido por Adam Shankman em Hairspray.
Encabeçada por quatro promissores atores (Antonia Thomas e Freya Mavor são os interesses amorosos da dupla de ex-combatentes), a trama ainda ganha credibilidade com a presença dos veteranos Peter Mullan e Jane Horrocks que interpretam um casal que às vésperas de completar 25 anos de união é surpreendido por um segredo do passado.
Mesmo sem ter a intenção de criar a roda, Dexter Flecther conseguiu produzir uma preciosidade, embalado pela sutileza do acaso. Um olhar otimista para as mazelas de uma quase insuportável rotina, retratada com maestria.